sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A Criação do Mundo

A Criação do Mundo e a Expulsão do Paraíso
Giovanni di Paolo










A Criação do Mundo

Ando por cima do brilho do sol
Gotas de luz desfazendo-se nos meus dedos
De suas migalhas nasce então a criação do mundo.

Se no início era o nada,
Então eu era tudo.
E no meu sonho
Decidi criar.
Primeiro apareceu o dia e a noite
Por isso apareceram também o sol e a lua
E logo por isso apareceram todos os deuses
Não tinha lugar onde ficar.
Por isso inventei a água e a terra e logo veio a sopa primordial
E moléculas
E os monera
E os eucariotes
E quando dei por mim olhava para a rosa vermelha de3pendurada na grade branca do quintal
E olhava para a vespa que a polinizava e se alimentava das larvas de mosquito
E olhava para as larvas contorcendo-se na lama de um ralo entupido
E quando dei por mim existia já a árvores e os espinhos,
A pedra e a esmeralda,
O rio e a nuvem,
A montanha e a areia,
O homem e a mulher e outra coisa qualquer.
Com isso nasceram os animais e eu nasci entre eles
Vi o mundo que havia criado
O austrolopiteco,
A criação do instrumento,
A charrua,
A corrente,
A cruz,
Os pregos,
A fogueira,
Homens ordenados em fileira.
Andei entre eles e toquei-lhes as faces, como se eu fosse o vento
Não sabiam que eu os tinha criado
Gritavam pelos deuses,
Quando eu nunca inventei os deuses.
Mas quando existe o mundo
Existe sempre tempo.
E o tempo passou
E continuei a ver o mundo que tinha criado
Os escravos,
Os bacamartes,
A auto-ajuda,
O LSD,
A vacina para a hepatite,
O vírus do HIV,
A mini-saia,
O rádio Hi-Fi,
O super-herói,
O filme de acção,
O género Noir,
E a televisão,
E as pessoas continuavam ordenadas
Andei entre elas e toquei-lhes
Percebi que já não havia deuses
E que brevemente nem pessoas haveria.
Eu criara este mundo
Porque queria ver a rosa vermelha
Porque queria ver a abelha
Mas no mundo que eu criei, já ninguém queria ver nada.

Rolo na palma da mão uma pedra azul.
Fria, a pedra azul.
Será que a partir do momento em que dizemos uma coisa em voz alta
Ela passa a fazer parte
Da nossa existência?
Tenho a certeza que mesmo eu,
Mesmo eu
Mesmo eu
Não passo do sonho nocturno de uma princesa.
 


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