"O Grito", Edward Munch
Desafio de Escrita #7
Tema: A Voz Que Não Era Sua
Data: 30 de Abril
300 Palavras
O grito que não era meu
São
os olhos fechados de quem está a dormir e foi com esses olhos fechados que
adormeci. Abrem-se agora e posso observar o súcubo que criou raízes num canto
do tecto, as suas mãos largas espraiando-se em sombras e o sorriso carnívoro,
muitos dentes triangulares.
“Vai-te
embora, não me vais possuir mais”, é o que digo. O súcubo roda a cabeça e num
estampido desaparece. A pressão que havia no quarto começa a desaparecer e,
aliviada, preparo-me para adormecer de novo. Espero agora que não haja mais
sonhos, esses pesadelos eróticos que me atormentaram durante todos estes anos.
Descobri o demónio que me andava a comer os sonhos e os defecava sob a difusa
forma de uma égua nocturna, cavalgando por cima de todos os meus terrores.
No
entanto, volto imediatamente a acordar. O meu corpo, o meu corpo! O meu corpo
está paralisado! Tento rebolar para fora da cama, tenho a certeza que ainda
estou a dormir. Tenho de acordar e, por isso, tento rebolar para fora da cama.
Rebolo e caio, mas caio em cima da cama, uma e outra vez, de novo, de novo,
esforço-me por abrir os olhos e de repente, qual roupa pendurada num puxador de
armário, está lá uma pessoa morta. Uma pessoa morta, pendente, num vestido
espectral. Nessa altura consigo gritar mas o grito, quem grita é a morta, a
minha voz é a voz da morta e toda a minha garganta é sangue dos arranhões. Luto
para me libertar, mas as mãos apertam-me o pescoço e as unhas arranham-me e o
sangue afoga-me, não interessa porque a minha voz não é minha, a minha voz
está na pessoa pendurada no armário e eu estou morta, eu estou morta, eu estou
morta?
As
mãos da minha mãe abanam-me e trazem-me de volta. O mundo real. A pessoa morta
era só um vestido pendurado no puxador da porta do armário. E eu sou só eu.
Parece que o súcubo ainda não se foi embora.
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